Liga da Justiça - O Filme que o Mundo Precisa


AVISO: ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS.

Na década de 80 o mundo via a derrocada da Guerra-Fria. O muro de Berlin estava para cair – em 1989 – simbolizando o final do Bloco Soviético. Em 1985, o ator, Ronald Reagan, tomava posse da Casa Branca consolidando uma vitória para o governo voltado para a direita.

Em 1986, como reflexo deste contexto, surgiram três obras que mudariam o conceito de super-heróis: Batman - O Cavaleiro das Trevas, Demolidor - A Queda de Murdock – ambos criações de Frank Miller – e Watchmen de Alan Moore. Eles seriam os quadrinhos revisionistas que dariam o tom da “Era de Chumbo” dos quadrinhos por dez anos.

Batman se tornou um herói violento, amargurado e teve sua coluna quebrada por Bane. O Homem-Aranha passou a usar o uniforme negro e adotar um comportamento autodestrutivo e agressivo, Jean Grey se transforma na Fênix-Negra etc...



Era um publico consumidor novo que despontava. O público “adulto”. E por adulto, leia-se: Que tem dinheiro para gastar mais dinheiro em encadernados de luxo. Esse mundo pedia por anti-heróis.

Os Super-Heróis da era de prata e de ouro, com vilões caricatos, cenários coloridos, bom humor e valores tradicionais foram lentamente substituídos por Anti-heróis violentos, amargurados, decepcionados com a vida e cercados por uma sociedade sombria, e que por acidente e nem sempre por mototivação, acabavam ajudando a humanidade. 

Tudo que era herói teve uma história violenta impressa em capa dura com o título de Graphic Novel. Como se quadrinhos adultos fossem somente violência e sexo

Mas em 1996, Mark Waid e Alex Ross, criam o “O Reino do Amanhã”.



O Reino do Amanha foi o freio que acabou com a era de chumbo dos quadrinhos. Sua narrativa complexa, cheia de metalinguagem, sua arte perfeita cheia de referências e uma mensagem otimista de esperança e heroísmo; Mostrou a todos o que era o conceito de Super-Herói que havia sido esquecido. E principalmente que era possível contar uma excelente história sem apelar para as velhas fórmulas usadas nos últimos dez anos.

E depois desta introdução, eu realmente chego ao ponto que preciso para falar sobre o filme da Liga da Justiça.




Vivemos num panorama parecidíssimo com 1986. Um conflito político Ad Infinitum onde tanto a esquerda quanto a direita tecem – em igual medida – um colar de merda a cada dia que passa.

Nos EUA, um empresário, mais conhecido pela sua presença na mídia, está na Casa Branca. A “ameaça terrorista” assombra os EUA. Mas a diferença de 1986 pra 2017 é que se antes os quadrinhos recebiam o título de “adultos” por conter Violência e Sexo. Hoje os termos foram trocados por Política e Gênero.

Numa sequencia da abertura do filme, vemos o Superman como a metáfora da esperança e do que acontece quando ela deixa o mundo. Resultado: o medo toma conta - expresso nos parademônios de Darkseid que se alimentam de medo fortalecendo o vilão. E isso fica muito bem colocado também, na cena em que um Skinhead ataca uma loja de uma família imigrante.

Os quadrinhos revisionistas geraram uma onda sombria onde os heróis, com a desculpa de se tornarem mais humanos, começavam a apresentar mais defeitos do que qualidades. E hoje em dia a dupla política/gênero impõe o tom das narrativas, como se apenas com estes dois elementos se preenchesse o requisito de uma boa história.

No filme, além destas questões serem tradas sem se sustentarem como o foco do filme, como no novo Homem-Aranha: De Volta ao Lar e de quase tudo o que a Marvel tem feito recentemente. As contendas são resolvidas por métodos muitas vezes não violentos. Os heróis não brigam entre si. Na verdade até brigam, mas o foco do filme também não é este, como foi o caso de Capitão América: Guerra Civil e o anterior Batman Vs. Superman: A Origem da Justiça.

O Reino do Amanhã, por exemplo, usa do Batman com a coluna fraturada do arco dos anos 80 para contar uma história de esperança, assim como o filme da Liga usa os elementos sombrios de Batman Vs. Superman ressignificando seus elementos.

A briga entre eles é muito curta e solucionada de um modo não violento e com mais maestria de que o anterior, mas o motivo é o mesmo.

Até o Aquaman que é um herói com toda pose de badass, tem uma cena em que exploram o lado mais “sentimental”, por assim dizer, do personagem como alívio cômico.

Mas é preciso aqui, pontuar uma coisa.

Este filme é um filme de reação á onda depressiva e super politizada “supostamente” verossímil a realidade como modelo de roteiro superior. Mas não é por isso que deve virar padrão e todo filme que sair deve ter os personagens da ilha da fantasia.

Nem tanto ao mar nem tanto a terra. Mas ainda não vi essa cena...

Hoje em dia é preciso insistir na mesma tecla de que o conceito “Super-Heróis”, não é coisa de criança. Afinal, Quadrinhos tem que ser coisa de adulto cult. Bem informado. Que gasta mais de 500 Temers em ingresso de Comic Con. Criança não lê quadrinho. Criança inteligente sabe “mexer no tablet e no celular direitinho”. Afinal, como chamar de criança – pejorativamente, é claro – o seu público consumidor?

Até isso o filme nos lembra logo de cara, quando duas crianças entrevistam o Superman.

Há muito tempo, eu venho reclamando com meus amigos da qualidade dos quadrinhos atuais. Nós passamos a levar quadrinhos muito a sério. As histórias em quadrinhos do séc. XXI são mais discutidas do que literatura. Hoje, assim como nos anos 80, de semana em semana aparece alguma coleção inédita de Graphic Novels. Encadernados que custam, em sua maioria, mais de 50 reais em um país onde se alardeia cotidianamente uma crise econômica e que manda centenas de pessoas á filas de desemprego. Como este mercado se sustenta? Como essa super exposição á cultura dos heróis nos influencia?


E principalmente: Nós levamos muito á sério os quadrinhos que não nos lembram mais o que é e como se comporta um Herói. Pois para esta época a medida dos ser humano é o fracasso, não a virtude.

Acredito que isto é reflexo de uma cultura covarde, onde é mais fácil aceitar um herói com defeitos, do que se inspirar em um herói ideal e mudar a si mesmo. Pois é para isto que existe a narrativa heroica desde os tempos gregos. Não o bastante, temos os pilares pós-modernos da política e de gênero, os quais devem ser aceitos tal qual dogmas de fé, onde se exige respeito, mas de maneira unilateral. Não respeitando gostos e outros tipos de valores culturais. 

O filme da Liga da Justiça é – NA MINHA OPINIÃO – O Reino do Amanhã de 2017. A começar da capa do filme, emulando a arte de Alex Ross.



É um filme que trata do retorno ao heroísmo clássico. Em uma cena do filme, Lois Lane fala sobre as engrenagens de uma história simples contra a complexidade do mundo moderno. Ela esta falando Metalinguisticamente do próprio filme, que possui um roteiro simples e certeiramente funcional.

A DC lançou a fase Renascimento, que é praticamente essa visão de mundo otimista e simples de volta ás suas histórias.

Repare no sorriso dos Heróis...


E como em O Reino do Amanhã, acredito que o filme da Liga da Justiça cumpriu o papel por alcançar muito mais gente que a HQ no ano de seu lançamento. 

É tendência nos filmes e quadrinhos atuais que os heróis se questionem tanto, a ponto de ficarem amarrados em suas consciências, e por isso não tomam atitudes assertivas que deveriam. Permitindo que o vilão – que tem sido retratado com muito mais entusiasmo – vença, ou tenha uma vitória parcial.

Não é raro que o público seja levado a torcer pelo vilão, como é o caso de Batman: O Cavaleiro das Trevas, em que o Coringa tem mais foco e justificativa de suas ações do que o Batman, ou o Loki no primeiro filme dos Vingadores.

Da abertura do filme da Liga se nota a diferença, com o Superman boa praça. Conversando com os garotinhos, ou mesmo rindo e fazendo piada ao lutar contra o Lobo da Estepe. É o antigo Superman de volta dos mortos. Não o Superman que questiona se deve ou não ajudar os humanos por que não acredita neles. Ou que mata o General Zod.

Devo dizer que ainda assim, amo todos os filmes da DC, ainda que toda a “crítica especializada” faça o que é paga pra fazer e jogue pedra em todos. Eu admito que gosto de todos os filmes da DC sem medo de ser feliz. Não faço como muita gente que curtiu o filme do Lanterna-Verde e finge que não pra parecer descolado com os amigos.

Veja, se você não gostou por que acha que ficou nada a ver é uma coisa, se gostou e se envergonha por que todo mundo fala mal é outra.

Inclusive, acredito que tanto o Zack Snyder quanto o Joss Whedon pensam igual.

Deduzo isto pelo fato de que a trilha sonora da Liga da Justiça - Perfeita por sinal, principalmente Everybody Knows de Sigrid que não sai da minha cabeça - inclui a trilha sonora do Batman de 1989, e cita o Pinguim como vilão antigo.

Ou seja, para os diretores, com este movimento eles estão dizendo que todos os filmes de todos os heróis entram na cronologia, pois todos mostram um aspecto específico de cada herói, formando um mosaico que acaba sendo amarrado pelo filme da Liga da Justiça.

Você pode achar revoltante, mas saiba que outra pessoa fez a mesma coisa na reformulação do Batman: Grant Morrison, que inclusive recebe agradecimentos nos créditos do filme.

Coincidência?

Grant Morrison foi o roteirista responsável por trazer o Batman bem humorado de volta as HQ’s. Com um senso de humor fino e histórias épicas mostrou que é possível um Batman bem humorado existir e que na verdade não há lógica num Batman tão arrogante, depressivo e sombrio. Ele mesmo diz isso no final do arco “Corporação Batman”. Grant Morrison considera todos os arcos de Batman como eventos de uma mesma vida, portanto, não há como o Batman de 1966 ser tão carrancudo e intransigente.





Como disse antes, estamos levando muito a sério o conceito de super-heróis, quando a proposta é divertir e entreter.

É legal ver histórias com temáticas adultas - são minhas favoritas, aliás - mas não podemos ser mal agradecidos sobre pilares que fundamentam nossos heróis.

Digo isso, por que já vi gente reclamar que o filme tá cheio de piada sem graça inspirado pelos filmes da Marvel, quando a DC já fazia isso há tempos.

O filme está mais claro mesmo. Até o azul do uniforme do Superman tá mais claro, mas quando o filme tava deprê todo mundo reclamou. No entanto, eu sei o que você está pensando: "Ai era questão de achar o equilíbrio perfeito", mas para você eu te digo:

Alguns homens só querem ver o mundo pegar fogo... 

Elas nunca estarão felizes, por que o que elas querem mesmo é reclamar.

Outro exemplo: Fizeram uma petição para exibirem o filme sem cortes da direção do Zack Snyder, segue o link aqui.

Ora, mas eu me lembro bem de meio mundo reclamar da direção do Snyder... Até eu

Para mim, o filme está irretocável. Em alguns momentos sentia como se estivesse assistindo o desenho da Liga que passava no SBT. As tiradas cômicas do Flash – O Ezra Miller se superou - A charmosa e poderosa Mulher-Maravilha, o assombroso Cyborg, o mal encarado Aquaman, O Campeão da Terra Superman e o Batman...

Arte especial do mestre brasileiro Ivan Reis para a Warner.


Os Heróis estão bem definidos como o ideal clássico da narrativa heroica grega, como a Odisseia de Homero. Há o vilão que se justifica como arauto de Darkseid, dado que muita gente já reclamou por usarem um personagem desconhecido. E há o vilão clássico. Lex Luthor e a futura Sociedade Secreta da Injustiça.

Eu na cena pós crédito do Luthor...


Não houve se quer a onda de destruição dos outros filmes, por que a invasão foi cortada pela raiz num povoado rural na Rússia. E a invasão acaba com uma solução em que não foi preciso matar o vilão.

A cena em que a liga toda está reunida em cima de um prédio foi de chorar.

Eu não acreditava que estava vendo aquilo. Me senti – de verdade – como quando eu era criança e sou grato por poder ter vivido isso novamente.



O texto final – também pela personagem Lois Lane – é a cereja do bolo. Uma ode á esperança, um chamado á nosso heroísmo cotidiano, um chamado á luta contra o mal, seja de onde ele vier.

Uma mensagem que nos diz para resistirmos contra todas as más notícias e contra todo o mal do mundo. Resistirmos ao medo e termos esperança, mesmo em tempos sombrios. Acho que a mensagem principal é que nós podemos ser heróis, por que temos nossas batalhas cotidianas e que o maior ato da Liga da Justiça é inspirar a humanidade e por isso ela faz tanta falta.

Não temos super poderes, mas o mundo real está ai, cada dia mais caótico precisando de nós.

Acho de verdade que o mundo precisa desta mensagem que o filme trás.

Que o heroísmo está em nossas mãos e que não podemos salvar o mundo sozinhos.

*** 

É isso minha gente, demorei três dias pra escrever este texto, por que não conseguia digerir direito tudo o que ele me impactou, mas é mais ou menos isso. Espero que tenha sido útil e até a próxima se Deus quiser.




Comentários

  1. Texto excelente, concordo, inclusive já falamos sobre tudo isso.
    O mundo precisa tb de mais escritores bons como vc.

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    1. Sim meu querido! Eu usei parte de nossas conversas aqui. Espero que não me processe KKKKK vlw pelo comentário mano, e se não fosse nossas conversas o texto não tinha saído assim, então obrigado tbm! Abraço!

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